O método Albertine (Anne Carson) — prefácio de Vilma Arêas
Considerações sobre O método Albertine
Este livro, leitor, é um livro sobre a paixão. Paixão por um outro livro, La Recherche du Temps perdu, revisitado e recortado por Anne Carson (Canadá, 1950). Dedicada aos estudos clássicos, mas também ocupando um espaço deslizante entre ensaio, tradução, crítica e principalmente poesia, a autora deste Método Albertine estabelece com La Recherche um tipo de luta corpo a corpo, que inclui impaciência, para dizer o mínimo, e muita fascinação, humor e também algum sofrimento.
Como em Proust, esta é uma obra investigativa, uma busca centrada principalmente nas bases do sentimento de posse imposto pela paixão e seus ciúmes, num quadro de sujeição feminina. Mas não há sentimentalismo aqui. Tudo é compreendido entre linhas esticadas de diferentes ordens: ideologia e filosofia, política, preconceitos e ilusões da época, discutidos à contra-luz dos tempos de hoje e sustentados pelos apoios também da tradição literária.
Isso é o que permite a extraordinária ressonância do texto de Proust no interior deste Método, uma vez posto em contato com o de Shakespeare, Beckett, Zenão, Mallarmé, Hitchcock, textos médicos, filológicos e outros, que relativizam certezas e às vezes esbarram em becos sem saída. Pois imitando o universo proustiano, em Anne Carson também topamos com a violência do fragmento que nos convida a encontrar outras relações e sentidos.
Descrevendo a própria obra, Proust a comparou a uma sonata ou a uma ópera bufa; mas também a uma catedral e a um vestido. E O Método Albertine?
Comecemos com uma descrição sumária do livro: ele é dividido em duas partes, a primeira contendo 59 fragmentos organizados ao redor da relação de Albertine e Marcel, também lida por alguns críticos, inclusive André Gide, como uma versão disfarçada da relação de Proust com seu chofer Alfred Agostinelli. A segunda parte é composta de 16 apêndices que ampliam a discussão de alguns tópicos da primeira parte, à imitação de um trabalho acadêmico. Mas não se trata disso.
Em primeiro lugar, porque a emoção às vezes emerge com força e desequilibra o tom ensaístico. No fragmento 57, por exemplo, a narradora se lastima, dolorosa, do símbolo do cisne solitário usado por Proust: “Que estranha e solitária sombra para se lançar sobre esses dois casos amorosos, o ficcional e o real; que analogia desesperada, oferecer da última e gelada paranoia de possessão do amante”.
Em segundo lugar, pelo uso da ironia. Confira o leitor o Apêndice 33(b) sobre metáfora e metonímia. Nele Carson finge definir seu método de trabalho, ao tentar compreender “de uma vez por todas” as duas figuras de estilo acima citadas: “fui a uma biblioteca, peguei uma braçada de livros, li diferentes partes de todos eles, escrevi algumas notas disparatadas em pedacinhos de papel e voltei para casa, esperando classificar minhas notas no dia seguinte”. Mas no dia seguinte, ao contrário do livro, o método falso não funcionou.
O que significa então método (workout)? Pode querer dizer esforço ou exercício físico ou mental visando um determinado resultado — pensem em “Jane Fonda’s workout”, exercícios para alguém supostamente alcançar as medidas perfeitas do corpo. Se é assim, The Albertine workout também desafia o leitor a exercitar-se mentalmente para alcançar uma compreensão desejável do livro, com suas alegrias e suas penas.
O convite é então ao trabalho? Sim, leitor, mãos à obra. Não se arrependerá.
Vilma Arêas